Nesta semana lemos duas Parashiót juntas, Acharei Mót (literalmente “Depois da morte”) e Kedoshim (literalmente “Sagrados”). A Parashat Acharei Mót fala sobre os Serviços feitos pelo Cohen Gadol em Yom Kipur, o “Dia da Expiação”, quando todo o povo judeu se arrependia de suas transgressões e D’us, em Sua infinita Misericórdia, perdoava o povo. Um dos Serviços mais importantes realizado pelo Cohen Gadol era a oferenda de um incenso dentro do Kodesh Hakodashim, o local mais sagrado do Templo. A Parashat também fala sobre outros cuidados com a santidade do povo judeu e a advertência para não nos contaminarmos através de comportamentos imorais. Já a Parashat Kedoshim nos ensina a receita para alcançarmos a santidade. Ao trazer muitas leis “Bein Adam Lechaveiró” (entre a pessoa e seu companheiro), a Parashat ensina que o caminho para a santidade também deve ser trilhado através de um comportamento adequado com as pessoas, e não apenas com D’us. A Parashat fala sobre a importância da justiça, da honestidade, da caridade com os necessitados e do amor ao próximo, que deve ser tão importante quanto o amor que sentimos por nós mesmos.
Normalmente em Yom Kipur estamos muito focados nos erros que cometemos em relação à D’us. Tanto por causa das Mitzvót que deixamos de cumprir quanto por causa das transgressões que cometemos, motivados pelos nossos desejos, nos arrependemos de todo coração e nos comprometemos a melhorar nosso comportamento. Porém, em nosso cotidiano, também transgredimos muito em relação ao próximo, mas acabamos não dando tanta importância para isto. O Talmud (Yomá 85b) afirma que Yom Kipur não pode expiar as transgressões “Bein Adam Lechaveiró” até que a pessoa tenha pedido perdão ao seu companheiro e tenha consertado, dentro do possível, o erro cometido. Por exemplo, se alguém roubou algo, o arrependimento só é considerado completo quando o ladrão devolve o objeto roubado (ou o seu valor) e pede perdão, tanto para a vítima quanto para D’us. Ao juntar a Parashá que fala sobre Yom Kipur com a Parashá que traz leis “Bein Adam Lehaveiró”, talvez D’us esteja nos indicando o quanto devemos nos preocupar com nosso comportamento em relação ao próximo e o quão grave é negligenciarmos nossos relacionamentos interpessoais.
A Parashat Kedoshim começa com as seguintes palavras: “E disse D’us a Moshé: Fale com a congregação inteira dos Filhos de Israel e diga a eles: ‘Sejam pessoas sagradas, pois Eu, Hashem, seu D’us, sou Sagrado’” (Vayikra 19:1,2). Porém, algo nestes versículos chama a atenção. Sabemos que na Torá não há nem mesmo uma única letra escrita de maneira desnecessária. Por que a Torá quis ressaltar que este comando de D’us, de que devemos ser pessoas sagradas, foi transmitido ao povo judeu quando estavam todos reunidos, a congregação inteira?
Explica Rashi (França, 1040 - 1105) que este comando de D’us foi realmente declarado na presença de toda a congregação de Israel, pois a maioria dos ensinamentos fundamentais da Torá depende dela, ou seja, estão contidos neste comando de “Sejam sagrados”. Já de acordo com o Rav Moshé Schreiber zt”l (Alemanha, 1762 - Eslováquia, 1839), mais conhecido como Chatam Sofer, destes versículos aprendemos que, para alcançarmos a santidade, não é preciso se isolar e se afastar do resto da sociedade. Pelo contrário, o ensinamento de sermos pessoas sagradas foi declarado em público justamente para nos ensinar que uma pessoa deve aprender a se santificar comportando-se adequadamente com as outras pessoas. Isto é percebido pelo próprio conteúdo da Parashá, que é voltado ao relacionamento correto, honesto e bondoso com o próximo.
Temos uma noção completamente equivocada sobre o que significa santidade. Muitos imaginam que a única forma de uma pessoa adquirir santidade é através do total afastamento dos assuntos mundanos. Muitos acham que o ideal é buscar retiros espirituais e adotar uma vida de total isolamento, pois somente assim conseguirão alcançar a verdadeira espiritualidade. Porém, D’us está nos transmitindo, no início da Parashat Kedoshim, que a santidade verdadeira somente pode ser alcançada quando vivemos entre outras pessoas. Por que? Pois é muito fácil ser honesto quando não interagimos com ninguém. É muito simples não falar Lashon Hará quando não convivemos com outras pessoas. Não há nenhuma dificuldade em manter a calma quando não há ninguém em volta nos incomodando. A verdadeira santidade está justamente em conviver com as pessoas e, ainda assim, conseguir ser honesto, guardar a nossa fala e viver com tranquilidade e respeito ao próximo.
Um rapaz certa vez perguntou ao Rav Avraham Yeshayahu Karelitz zt”l (Bielorússia, 1878 - Israel, 1953), mais conhecido como Chazon Ish, se era aconselhável ele se isolar para estudar Torá, de forma que não teria nenhuma distração ou interrupção. A pergunta era realmente interessante, pois sabemos que não há nada tão valioso quanto o estudo de Torá, e o isolamento certamente favorece a concentração no estudo. Porém, para a surpresa de todos, o Chazon Ish respondeu ao rapaz: “Meu coração não pode acreditar que, estando isolados de todos, você possa fazer uma verdadeira aquisição da Torá. Certamente a vida em sociedade e a proximidade dos amigos lhe ajudarão a adquirir, de forma verdadeira, os ensinamentos da Torá”.
Viver em sociedade faz bem para nós. Podemos receber ajuda, incentivo e apoio das pessoas em volta. Porém, a vida em sociedade é fundamental para um dos principais pilares da Torá, que é podermos praticar bondades. Não podemos fazer bem a ninguém estando isolados. Portanto, de certa forma, aquele que quer se isolar do mundo para tornar-se uma pessoa mais sagrada está se comportando de maneira egoísta, pois está preocupado apenas com o seu próprio crescimento espiritual. Não é isto o que D’us quer de nós. Não viemos ao mundo para ganharmos sozinhos nenhuma corrida. Viemos ao mundo para ganharmos a corrida todos juntos e unidos.
Quando D’us fez todas as criaturas, criou-as em grandes quantidades. Porém, Adam Harishon, o primeiro ser humano, foi criado sozinho. D’us então disse: “Não é bom o homem estar sozinho” (Bereshit 2:18). Mas por que não era bom o homem estar sozinho? Ele estava no Gan Éden, sendo servido pelos anjos, em contato direto com D’us e podendo desenvolver sua espiritualidade! O que faltava para ele? Explicam nossos sábios que faltava para Adam a possibilidade de fazer bondades. Nosso papel neste mundo é emularmos D’us em todos os Seus atos. Da mesma maneira que Ele é bondoso, nós devemos ser bondosos. Da mesma forma que Ele é misericordioso, nós devemos ser misericordiosos. D’us faz bondades o tempo inteiro sem receber nada em troca. Esta é a forma de sermos pessoas sagradas, semelhantes à D’us. É isto que D’us quis dizer quando afirmou que nos criou “à Sua imagem e semelhança”. Ele não se referia à semelhança física, e sim ao nosso potencial de bondade. Ao ajudar o próximo e nos preocuparmos com os outros, estamos nos comportando como D’us.
A única forma de fazermos bondades é vivendo em sociedade, interagindo com as pessoas, ajudando e desenvolvendo nossa sensibilidade. Foi isto o que nos ensinou o Rabi Akiva, ao afirmar que o versículo desta Parashá, “Ame ao próximo como a si mesmo” (Vayikra 19:18), é um dos principais fundamentos da Torá. E toda vez que levamos luz aos outros, no final somos nós mesmos que acabamos sendo iluminados.
“A felicidade que levamos aos outros volta, em uma alegria silenciosa, aos nossos próprios corações”
SHABAT SHALOM
R’ Efraim Birbojm
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